quarta-feira, 25 de julho de 2012

Bom dia!

Quando abro os olhos de manhã, presto atenção no silêncio, no canto dos pássaros, ou no marulho da chuva. Em como entra a luz pelos buraquinhos da veneziana da janela. Por um minuto, lembro dos meus sonhos. Depois, levanto, abro a janela e deixo-os voarem, tomando o céu.

Pego o frescor do ar, a preguiça do cobertor, o doce da geleia do café da manhã – misturo tudo e vou ao espelho me ver. Pelo ângulo do sorriso, pela descontração da boca, vejo se a mistura ficou boa.

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

O que faço num dia lindo?

O que faço num dia lindo?
Olho, da minha janela, o céu aberto e claro. Pássaros voam em círculos, despreocupados.
Eu, sentada na frente da janela, olho para o verde, para o azul, como se meditasse. Na verdade, estou meditando. Meu pensamento foge de mim, de tudo, e, por dentro, uma onda de contentamento me alaga. Eu sinto a suavidade escorrendo dentro de mim, e como isso me faz bem.

Há um tempo, tudo o que eu escrevia tinha a ver com liberdade e prisão. Era tudo uma melancolia sem fim, a la Werther. Eu vivia presa, distante de tudo, imaginando uma liberdade muito abstrata, e me nutrindo com isso. Hoje, surfando em alto mar, às vezes me surpreendo com vontade de largar tudo e voltar para meu castelo, onde era uma doce vítima. Onde era fácil viver mil e uma histórias imaginadas, todas repetição das mesmas fantasias.

Aos poucos, perco o medo das ondas. Na rua, encarar alguém de frente é como me olhar no espelho. Nada mais está no seu lugar, e acho que assim será a vida daqui para a frente. Será um belo e arriscado passeio num dia lindo e ensolarado.

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Presa no horizonte

Corro atrás do horizonte, nunca o alcançarei. A imaginação de um campo sem limites, de possibilidades sem limites, me encanta e me faz sucumbir. Onde encontrar a vida, senão agora? No presente em que vivo, em que respiro – aí sou feliz. E o resto do tempo, passo alheia à vida que pulsa.

Presa a expectativas irreais, à vontade de sempre conquistar algo inconquistável, eu caio na terra batida e choro. Um medo da insatisfação e da incompletude me inunda. Mas eu me levanto e sigo – o joelho arranhado, enquanto as marcas que deixei no chão vão se apagando com o vento.

quarta-feira, 2 de junho de 2010

Ele é carioca

São dias de quase-inverno no Rio. Não sabemos por quanto tempo, nem em que intensidade; por isso colocamos nossos sobretudos, nossas botas, nossos casacos de couro.

Eu me lembro de um dia de verão. Eu acreditava que, para ser carioca, era preciso gostar de suar, mas fui pega de surpresa num elevador. O calor me deixava dispersa e com nervoso de sentir minha própria pele tocando nas roupas. Descompostura era o meu nome. Até olhar para a esquerda e ter uma visão delirante: um senhor impecável no seu terno de linho branco, chapéu panamá a coroar sua cabeça. Era mulato, magro, grisalho; todas as suas feições transpiravam dignidade, humildade, orgulho.

Uma senhora perguntou-lhe: você não sente calor? O homem não quis nos humilhar tanto, e por isso falou discreto: eu não estou sentindo calor.

Na rua, o termômetro marcava dezenas de graus celsius.

*****

Mas, no último verão, também havia o homem que não se cansava. Era um japonês, professor de kendo. Com suas poucas e zangadas palavras, incompreensíveis, somadas à expressão samuraica de seu rosto, foi que eu aprendi que é possível manter uma postura impecável mesmo após três horas de treino de luta.

sexta-feira, 5 de março de 2010

O unicórnio nu


Para ler ao som de Comptine d´un autre été de Yann Tiersen

Desço meu carro pelas curvas da estrada, temeroso da névoa espessa que me envolve. Pela fresta da janela, o vento úmido entra fresco e toca meu rosto. Quero pegar o vento, tocar minha pele. Sinto as rugas da testa e me lembro das causas de cada uma. Um emprego perdido, a morte de um grande amigo, o divórcio.

Minha ex-mulher gostava de fazer bolos. Só cozinhava isso. Todo fim de semana, eu sentia aquele cheiro gostoso; ela tirava o bolo do forno e eu o comia ainda quente, ávido pelo sabor. A massa tinha a textura macia da sua boca, e eu me lembrava disso nas horas enfadonhas do trabalho. Fechava os olhos e sentia seus seios comprimidos sobre meu peito, suas coxas rarefeitas nas minhas mãos.

Eu suspiro. O tempo pesa. Cada vinco no rosto dói; deve ser o frio ou a saudade. Os outros carros vão longe, vejo pelos faróis vermelhos. São pingos de tinta tristes. Ao meu lado, percebo, um unicórnio corre, desafiando todo o ecossistema do senso comum. Ele me acompanha, mas com o olhar sempre fixo no horizonte branco.

Como seu correr é belo e leve! Queria ter vivido no ritmo desimpedido do seu trote. Talvez a juventude que perdia a cada dia que tentava ser um homem sério - talvez ela tivesse a alvura desse bicho. Talvez jogando meu terno no lixo, talvez apagando da memória minhas palavras solenes - talvez assim, nu, exposto, entregue, vulnerável, eu pudesse igualar sua pureza.

Resolvo parar o carro no meio-fio. O unicórnio pára também e imediatamente aponta para o chão. A mesma mão que sentiu minhas rugas, eu a passo sobre o lombo do animal. Num movimento seu, a pulseira gasta do meu relógio arrebenta e ele cai. Vou apanha-la no chão, e sinto a grama molhada como os meus cabelos escorridos quando minha mãe os lavava. Meu coração se encolhe suave no colo das minhas lembranças. Pego o relógio; os ponteiros haviam se soltado.


PS: esta crônica está vampirizando "O cavalo nu" de Leonardo João.

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Dia de praia

Para Marco

Semana passada, resolvi quebrar minha resistência ao muito suor e sair da frente da mesquinhez do ventilador. Fui à praia com você. Deitada na areia confortável, espiei o mar por quase uma hora, querendo coragem para mergulhar como fazia antigamente.

Hoje, porém, o medo me segura e me frustra, e não só na praia. Eu me escondo na minha fortaleza de auto-proteção, onde minhas boas amigas são as neuroses. Com elas, também me sinto segura. Sem sair do castelo de dentro de mim, vou às lojas e faço compras para tentar preencher o espaço do que não sou ou do que queria ser. Mas, naquele dia, não precisava ser assim.

Você já estava na água quando tomei coragem e... fui! Joguei-me no mar sem garantias nem preocupação. Na água gelada, sentia meu corpo vivo. Ali eu era por inteiro, sem precisar de nada além.

Um minuto de alegria, nem isso, e veio uma onda gigante. Quebrou sobre nós. Dentro daquela tempestade, tive medo que nossas mãos se soltassem. Envolvida naquele barulho uterino, toda a energia fluia sobre mim.

A onda passou. Eu me recobrei e saí correndo da próxima. Na borda do mar, parei, te olhei ainda na água e rimos. Que divertido rir de mim mesma e poder compartilhar isso com você. Respirei fundo, e o ar que entrou pelas minhas narinas chegou a tocar minha alma. O sal purifica.

Você saiu e nos beijamos, iluminados pelo sol que se punha sob o Dois Irmãos. Pena que nada tão bom pode durar para sempre.

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Carnaval

- Olha, olha a beleza da Ala das Cenouras! A grande inovação do carnavalesco Emilinho é o dispositivo que faz com que as folhas cresçam, murcham, caiam e voltem a crescer! É impressionante notar o brilho e a opulência dessas cenouras, que refletem bem o estilo da escola. O que você acha, Norberto?

- Bem, a pesquisa da direção de arte foi realmente muito profunda. Os assitentes do Emilinho descobriram que as cenouras eram cultuadas pelas tribos Guaximim-mirim, onde eram vistas como o deus revelador da sabedoria. Porque para eles não era a cenoura, mas o cenouro. Uma referência à estrutura fálic...

- A reporter Edilana Ramalho está com novidades quentíssimas. Fala, Edilana!

- Bem, amigos da rede Otar! [gritando muito] Estou aqui com os integrantes da escola que fazem tudo funcionar. Sem eles, o que seria...? Não seria nada! Ei, você aí! Me dá uma entrevista aí!

- Craro, senhora! Nosso trabalho é muito árduo, empurrando esses carro aregórico igual a uns condenado! Só a cervejinha salva!

- Vanderson! AAAAANDA!... POOOOORRA! FUDEU!

CRUNCH!! CABUM!!

- Meu Deus! O... Olha Norberto! O carro alegórico perdeu o controle e está desgovernado! Vai bateeeeeeer!! Bateu! Derrubou uma caixa de som sobre o camarote dos jurados! Vamos passar de novo para a Edilana. Edilana? Edilaaaana???

- Enquanto não localizamos a Edil...

- Edilaaaaaanaaaaaaaa!!!

- Enquanto não localizamos a Edilana, notem o desfalque que esse problema não está causando à evolução do desfile. Acho que a bateria deveria mudar o compasso para 5 por 1, porqu...

- Olá Augusto! A gente teve que tirar uns estilhaços de vidro aqui pra continuar... Corre, corre, Gil, filma as destaques! Gente, está pegando fogo no carro alegórico, as destaques estão em pânico; a gente vai correr e tentar alcançar! ......................................................................... ............................................... Ufa! Finalmente! COmo VOcês POdem VEr, HÁ uma GRAnde MOVimentação de bomBEIros ao redor do carro, agora que ele parou. Vamos entrevistar o sargento dos bombeiros...

- Sargento não, eu sou só cabo mesmo...